“O Ministério Público trouxe o resgate da minha dignidade. Trouxe novas oportunidades e uma nova chance de vida”.

A afirmativa é da servidora do Núcleo de Apoio e Atendimento Psicossocial (Natera), do Ministério Público do Estado do Acre (MPAC), Patrícia da Silva das Neves, que na semana passada completou 01 ano de trabalho e foi homenageada pela instituição, como forma de agradecimento por seu empenho e pela forma louvável com a qual executa seu trabalho. O Natera foi sua oportunidade profissional, depois que saiu das ruas e superou o uso abusivo de crack. Também foi decisivo para o seu processo de superação e reinserção na sociedade.

Criado pelo MPAC em 2014, sob a coordenação da procuradora de Justiça Patrícia Rego, durante a gestão do, então, procurador-geral de Justiça Oswaldo D’Albuquerque Lima Neto, e mantido entre o rol de projetos prioritários da gestão da procuradora-geral de Justiça, Kátia Rejane de Araújo Rodrigues, o Natera é um órgão auxiliar do MPAC, responsável pelo atendimento e acompanhamento de indivíduos e famílias com problemas decorrentes do uso de álcool e outras drogas e situações de saúde mental e/ou riscos sociais.

O trabalho é feito por meio da articulação permanente com os serviços públicos e da sociedade civil. Antes de ser contratada para trabalhar no Natera, Patrícia contou um pouco de sua história. Usuária de drogas desde os 15 anos de idade, aos 43, ela lamenta ter desperdiçado mais de 20 anos de sua vida com o vício e, consequentemente, nas ruas.

“Desde a sua criação em 2014, o Natera já realizou cerca 4.500 atendimentos. Só em 2018, foram 1.758, cujas demandas envolvem casos de conflitos familiares por situação de drogas, pessoas em situação de rua e transtornos mentais”.

“Eu comecei com a cocaína. Depois meus pais me mandaram estudar em Goiânia (GO) e lá eu conheci a pior delas, o Crack. Quando minha família me colocou da decisão de escolha entre a droga e meus três filhos, eu optei por sair de casa e viver nas ruas. Passei um tempo morando naquele prédio abandonado aonde funcionava o antigo restaurante “China Norte”, na Avenida Ceará. E passava o dia pedindo dinheiro nas ruas para sustentar o meu vício”, conta a servidora do Natera.

Patrícia relembra as condições precárias nas quais viveu durante o período de rua e drogadição, como o preconceito, o abandono das pessoas, a fome e o frio.

“Eu passei muita fome e muito frio, porque entre comer e usar a droga eu preferia a segunda opção. Nas ruas a gente passa por muita coisa, eu enfrentei do frio ao fogo. Uma vez dormi na calçada de um homem lá na Cerâmica (Bairro), acordei com os meus pés pegando fogo. Sim, ele amarrou um barbante com um rolo encharcado de combustível. Acordei com o “solado” dos pés em chamas”, lembra a ex-moradora de rua que transitava entre os Bairros Papouco e Preventório, periferia de Rio Branco.

Da situação de rua à internação


Há mais de 20 anos nas drogas e há muito vivendo nas ruas, Patrícia da Silva conta que vez ou outra visitava sua família, fosse para pedir alguma coisa para comer, vestir ou rever os filhos que ficaram aos cuidados de seus pais. O sentimento de revolta era evidente por parte dos três filhos. Ela era a mãe que “os trocara pelas drogas”.

“Numa das minhas visitas, devido a fase agressiva, meus pais não deixavam mais eu entrar em casa. Minha filha com 16 anos na época foi deixar uma refeição para mim lá fora. Foi quando eu percebi que ela estava grávida. Ela confirmou minha suspeita anunciando a decisão de que jamais deixaria eu ver meu neto”.

“Naquele dia, essa atitude também me fez decidir algo: eu iria deixar, definitivamente, as drogas e as ruas. Foi, então, que eu me internei na Comunidade Terapêutica Caminho de Luz. Lá, eu enfrentei um longo processo de reabilitação, mas também conheci, finalmente, a Bete”, conta.

Da reabilitação à contratação pelo MPAC


Antônia Oliveira, mais conhecida por todos do MPAC como Bete Oliveira, era a diretora de Planejamento e Gestão Estratégica do órgão na época. Ela ajudou a construir e a tocar o projeto Natera, juntamente com sua coordenadora Patrícia Rego, e os procuradores-gerais de Justiça Oswaldo D’Albuquerque Lima Neto (2014-2018) e Kátia Rejane de Araújo Rodrigues (2018-2020), tendo a participação de outros membros importantes, como o procurador de Justiça Sammy Barbosa Lopes, que atua na defesa dos Direitos Humanos.

Bete Oliveira foi quem encaminhou junto à gestão do MPAC e a coordenação do Natera, o processo de contratação de Patrícia da Silva, que após 01 ano de tratamento estava reabilitada, porém, tinha um novo desafio pela frente: retomar a vida e reinserir-se na sociedade, coisa que ela afirma não ser tarefa fácil.

“É difícil encontrar oportunidade quando precedemos desse cenário (rua e drogadição). Eu não conseguia trabalho em lugar nenhum. Foi, então, que conversei com a Bete e a doutora Patrícia, que conseguiram encaminhar a minha contratação. Para minha surpresa: eu fui chamada para trabalhar no resgate de pessoas que vivem na mesma condição que eu vivia. Desde então, todos os dias, eu tenho a oportunidade de, através do Ministério Público, tentar trazer essas pessoas de volta à vida. Um trabalho que, sem dúvida, devolveu o restante que faltava da minha, também”, diz.

A procuradora-geral de Justiça do MPAC, Kátia Rejane de Araújo Rodrigues, fez um agradecimento especial à servidora pela forma com que se dedica ao Natera e a parabenizou pela sua superação.

“Eu gostaria de parabenizar o trabalho do Natera, especialmente à Patrícia que recebe essa homenagem em nome no trabalho que vem realizando e pela forma como você se doa, se dedica e enfrenta as adversidades que muitas vezes o trabalho impõe. Quando fazemos algo com amor e dedicação, o sucesso e alcance de resultados são muito maiores. E isso nós temos obtido por meio do seu trabalho. O MPAC é muito grato por ter você no nosso quadro contribuindo sobremaneira para o sucesso desse projeto e suas interfaces”, agradeceu Kátia Rejane.

A atuação do Natera


Desde a sua criação em 2014, o Natera já realizou cerca 4.500 atendimentos que incluem a acolhida, estudos psicossociais, referenciamento do trabalho em rede e encaminhamentos para o tratamento terapêutico, para a reabilitação da patologia e atendimento das demandas de natureza social. Só em 2018, foram 1.758 atendimentos realizados. Seu coordenador administrativo, Fábio Fabrício Silva, destacou que as principais demandas de atendimento envolvem casos de conflitos familiares por situação de drogas, pessoas em situação de rua e transtornos mentais.

“O Natera também atua para combater a prestação inadequada dos serviços públicos; no atendimento a usuários de drogas em situação de ameaças por organizações criminosas, a adolescentes em situação de risco em virtude da própria conduta; e procede com os encaminhamentos junto a rede de serviços, seja para  as Promotorias de Justiça,  ou, ainda, para outros serviços, como o Centro de Atendimento à Vítima (CAV) e o Centro de Atendimento ao Cidadão (CAC)”, detalhou Silva.

A coordenadora do Natera, Patrícia Rego, aproveitou a ocasião da homenagem à Patrícia da Silva, para entregar à Procuradoria Geral de Justiça do MPAC, o Relatório de Atividades do Natera de 2018, contendo todas as ações promovidas no ano passado e seus números.

Também aproveitou a ocasião para agradecer as gestões do MPAC que sempre apostaram e acreditaram no projeto, como Oswaldo D’Albuquerque Lima Neto, Kátia Rejane de Araújo Rodrigues e a Sammy Barbosa, pelo apoio incondicional ao Natera na defesa dos direitos humanos. Patrícia Rego também aproveitou para direcionar seus agradecimentos especiais ao trabalho da servidora.

“Apostar na Patrícia é corroborar com aquilo que a gente prega todo dia. O trabalho que ela faz é diferenciado porque ela fala a linguagem de pessoas quem tem estado na situação que ela se encontrava há um tempo. Assim, ela consegue estabelecer o vínculo com essas pessoas que os servidores técnicos não conseguem estabelecer, além de inspirá-los. Sem ela na equipe, o trabalho que o Natera tem desenvolvido não teria a qualidade e a produtividade que tem”.

“Eu te louvo, Patrícia. E reconheço a sua capacidade extraordinária e os esforços que você tem empregado para se superar cada dia mais”, finalizou a procuradora de Justiça.

Sammy Barbosa também registrou sua homenagem à servidora.

“O caso da Patrícia é emblemático e mostra o que somos capazes de fazer enquanto instituição pública. Quando falamos em defesa de Direitos Humanos no Acre, não estamos falando de coisas psicodélicas, mas de combate aos mais diversos crimes, falamos de inclusão, de resgate a dignidade de pessoas que estavam a margem da sociedade. Parabéns a Patrícia e ao MPAC por alcançar esse conjunto de resultados e nos inspiraram a lutar”, destacou Sammy Barbosa.

Ao término das homenagens, Patrícia da Silva externou seus agradecimentos ao MPAC.

“Uma vida inteira seria pouco para agradecer. O Amor que a Dra. Kátia tem, que a Dra. Patrícia tem, que toda a equipe do Natera tem e que outros gestores também tiveram, está ajudando a salvar muitas pessoas por meio desse projeto. Todo o dia eu aprendo uma coisa nova com essa equipe. Eu amo o que eu faço. Aqui eu desenvolvi o sonho de estudar Direito. E ainda vou realiza-lo. Nem que eu esteja velhinha, com uma bengala na mão, mas eu vou realiza-lo. Eu sei que vou”, afirma a servidora.  


Ana Paula Pojo – Agência de Notícias do MPAC



 

   


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Fonte: https://www.mpac.mp.br/servidora-do-mpac-comemora-01-ano-de-trabalho-em-projeto-que-a-ajudou-superar-situacao-de-rua-e-drogadicao/?fbclid=IwAR027McX-okifJsFZcBFTsuc7cl-Xi3Vkn1YLsxSMrUq05f4VFih34DYvmw